Evita ou Darwin e a teoria da involução das espécies.
- Jorgito Sapia

- 27 de jun.
- 7 min de leitura

Tem coisas que só acontecem no carnaval, outras no trecho da praia de Ipanema conhecida como Posto 9 -quase na esquina da ex-Montenegro, hoje Rua Vinicius de Moraes - outras, só no Conjunto Habitacional Barangal, simpático bloco carnavalesco que inventou o Coliving, isto é, uma forma de comunidade intencional que oferece um local de moradia compartilhado por pessoas que tem gostos e preferencias estéticas e políticas determinadas e afins. Eles esperam que no futuro, quando essa ideia seja colocada em prática, se não todos, pelo menos a maioria consiga lembrar do que se trata.
O Conjunto Habitacional desfila, desde sua criação, pela orla de Ipanemano domingo posterior à semana momesca propriamente dita. Isto é, concentram no final de semana posterior à Quarta-Feira de Cinzas. Vale registrar que, no carnaval atual essa data pega fogo. Inimigos do fim não gostam de fechar nada, preferem abrir. Desfilam, explicam, abrindo os trabalhos do carnaval do próximo ano, isto, por si só, é um feito pra lá de louvável. Esse ano, por motivos que hojenão consigo lembrar o bloco desenvolveu o enredo “Darwin e a involução da espécie”. Hoje é fácil dizer que o bloco antecipava o que viria acontecer a partir de 2013, do impeachment da presidenta Dilma em 31 de agosto de 2016, da prisão do Lula, da vitória dos celerados hoje prestes a ir pra cadeia. Não dou fé que enredo tenha respondido a essas premonições da distopia que teima em permanecer atual.
Lembro, claramente, da semana que antecedeu o desfile de 2010. Essa data marca uma transformação no carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro. Transformações relacionadas ao aumento do número de blocos, de foliões, de opções e de problemas exigiam repensar horários e trajetos. Clima tenso, desentendimentos generalizados. A diretoria, isto é, todo o bloco, não conseguia chegar a um consenso em relação ao horário do desfile. Após muita cerveja e brindes diversos que celebravam as propostas apresentadas, acabou prevalecendo a que defendia o horário matutino para a realização do encontro etílico carnavalesco.
Apesar de algumas baixas, conforme o consensuado, domingo às 10:00 h.da manhã, boa parte da diretoria disputava a sombra de um coqueiro plantado no jardim central da Av. Vieira Souto, em frente ao hotel Sol de Ipanema, assim como para quem quer deixar claro, que o sol não faltaria naquela feliz manhã dominical.
Me agrada, nos blocos da cidade, o bochicho da concentração. Momento de encontros e reencontros com a turma que aposta na felicidade. Naquela manhã, depois de ter conseguido garantir meus 25 cm. quadrados de sombra embaixo do coqueiro, deleitava-me observando o movimento da praia, a chegada dos amigos, dos curiosos, da bateria, do fantástico trio elétrico, (um triciclo e uma caixa de som), da cerveja, e claro, do gelo. Vi também, pouco tempo depois -quando os centímetros quadrados de sombra teimavam em diminuir- a aproximação de um carro da PM. Vi descer três agentes da ordem e vi, ainda, quando um deles aproximou-se, não sei por que cargas d´água, do Flavinho 7 cordas para solicitar a autorização do desfile do bloco aí concentrado. Flavinho - que além de excelente músico e diretor presidente do Bloco dos Escrotinhos - é a pessoa mais sem noção que conheço quando o assunto é lidar com as autoridades, respondeu, claro, que “não tinha a menor ideia do que se tratava”. Respondia e enquanto colocava pela terceira vez protetor solar fator 60, começou a rir de sua própria resposta. O PM saiu para reportar ao seu superior o acontecido.
Não demorou e o PM voltou, desta vez para pedir o nome do responsável pelo evento que já começava a ser caracterizado como “essa baderna”. Flavinho, de bate pronto respondeu: “é vento nada, disseram que entraria um sudoeste, mas, por enquanto, sem vento mesmo autoridade, olhe só, não se mexe nem uma folha”.
Tudo parece indicar que o guarda achou que estava sendo sacaneado e levantou a voz o suficiente para Flavinho perceber que, de fato, o vento, no evento, tinha rapidamente mudado e, ao perceber o tamanho da encrenca, declinou rapidamente o nome do responsável e entregou “aquele ali”. Deu para perceber que a rápida resposta frustrou o tal PM. Imaginei que a autoridade esperava um pouco de heroica resistência que possibilitasse desferir, como de praxe, na intenção da informação, umas quantas bolachas no Flavinho. Há quem diga que foi esse o motivo principal do ressentimento e da posterior proibição do desfile do bloco. Deixando as versões de lado, o certo é que em tempos de choque de ordem, se solicitava a autorização para desfilar.
A essa altura o bloco estava totalmente armado, bateria, carro de som, intérpretes, porta bandeira, rainha da bateria, todos enfim, aguardando o estrilar do apito para começar a evolução.
Foi nesse momento que Júnior, com sua fantasia de homem das cavernas, informou que não tinha autorização. Por sua vez, o responsável pela manutenção da ordem na orla, naquela plácida manhã de domingo, informou com tranquilidade franciscana que “sem autorização, não dá pra desfilar”.
A essa altura a diretoria do bloco começou a produzir uma série infindável de argumentos os quais, longe de clarear a situação contribuíam para piorá-la. A diretora da ala agricultura, mas com açúcar, depois da terceira caipirinha de maracujá servida naqueles generosos copos que caracterizam o esmero no preparo na barraca do Joel, - explicava, enquanto pestanejava insistentemente com seus cílios coloridos “que não fazia sentido qualquer autorização, posto que estava a se tratar de um Conjunto habitacional e não de um bloco carnavalesco”. Não sei se a autoridade fingiu não entender ou fingiu não ouvir, mas falou clara e calmamente: “minha senhora, sem autorização não vai dar pra sair”. Além do mais completoucom ar de mistério e advertência: - “aqui é Ipanema, Posto 9, vocês não sabem o que acontece aqui.” A turma que ouvia ficou sem entender o significado da sentença. Era um tal de perguntar pra um e pra outro “o que acontece aqui?” Sem que ninguém atinasse com uma resposta que pudesse dirimir o mistério. O mestre sala, enquanto aguardava a preparação da terceira caipirinha de lima com abacaxi, propôs a realização de um seminário multidisciplinar que teria por título “O que acontece aqui?” mas, a proposta caiu logo no esquecimento.
A tudo isso, o diretor da ala “não atrapalha que nóis vai” trajando sua flamante fantasia de o homem das cavernas, pensou consigo mesmo - e há quem diga que era justamente isso que não deveria ter feito – “perdido por perdido, vou dar uma chave de galão na autoridade”. O moço é bacharel em direito e Sargento do exército. Só percebeu da péssima ideia quando já era irremediavelmente tarde.A autoridade em questão era Tenente, mais precisamente, o Tenente Portela. A coisa que estava estancada foi involuindo ao ponto que Darwin, que se encontrava presente na figura do camarada Henrique, e já devidamente incorporado, graças as cervejas consumidas durante a demorada controvérsia, não conseguia acreditar que ele, que tudo tinha apostado na evolução, teria o desfile em sua homenagem, involuído ao ponto da não realização. Danou-se exclamou! Saindo a procura da origem das espécies, e falando consigo mesmo como quem tenta entender, se perguntava perplexo: “que espécie de animal é esse que, portador de patente inferior, pretende dar chave de galão em oficial superior?”
Permitam-me enveredar, rapidamente, pelo caminho das comparações, a realidade sempre teima em ser mais dura do que qualquer ficção. Não é o que acabamos de assistir, perplexos, contemporaneamente? Não é que um capitão absolutamente desqualificado persevera no enquadramento de generais da ativa e da reserva e que, a bem da verdade, até um cego pode ver que são tão desqualificados quanto o desqualificador.
Mas voltemos ao que nos convoca. Drica, a passista, e a performática bibliotecária que esse ano estreava scarpin laranja salto 10, tentavam explicar que tudo isso era por causa das crianças, e apontavam o dedo – o mesmo com o qual mexiam no copo da caipirinha - para o meio da rua onde as crianças de fato, estavam concentradas. É fato que a autoridade não conseguiu visualizar criança alguma pois elas estavam ocultas por um grupo de foliões fantasiados de Tartarugas Gigantes do Arquipélago de Galápagos.
Teve até uma moça que foi chegando toda faceira e sedutora, cantou, olhando nos olhos do Tenente: “Portela, eu nunca vi coisa mais bela...”, mas nem assim a autoridade mudou seu ponto de vista. Claro que a galera era categórica na afirmação “é viado, só pode ser viado!” Nesse tempo o termo não era assim tão passível de problematização, mesmo carregado, desde sempre de uma conotação negativa, preconceituosa, homofóbica.
Mas, enquanto o pessoal estava quase dispersando, se ouviram os primeiros acordes de Cidade Maravilhosa, marcha de André Filho composta para o carnaval de 1935, era o sinal para que o bloco começara seu desfile com o norte apontado para o Arpoador.
Que terá acontecido? Quem terá sensibilizado à autoridade? Será que estamos em presença de um movimento de desobediência civil? Eram perguntas que a diretoria formulava atónita enquanto exigia novas caipirinhas do Joel.
Pois bem, a partir daí as histórias se confundem, as versões se misturam e ganham contornos surpreendentes. A versão privilegiada, só pode levar os créditos, se for levado em consideração o estado etílico dos narradores. Não é que inventaram que a sorte foi mudada depois da intervenção de um folião do bloco que teve um papo tête a tête com o tenente Portela e que, depois de cochichar baixinho com argumentos que ainda hoje são um mistério, conseguiu a liberação. Mello, encarregado de interpretar o samba estava engasgado e falava feito um mantra: “foi o gringo, foi o gringo!” Por gringo fazia referência a um sujeito que tinha aparecido faz muito tempo no pedaço e que, mesmo com um sotaque que lembrava Gardel, afirmava ter nascido em Madureira. O pessoal, não me perguntem por que, tinha apelidado ele de Evita. “Evita o cara” costumava advertir Ronaldo presidente. Maurinho, por seu turno, entre uma purpurinada e outra confirmava: “foi sim, foi sim! Ninguém avisou ao tenente para evitar Evita e, tudo indica que Evita colocou o oficial no bolso”.
Pois é, fim dos tempos, parece história de pescador, quem salvou o desfile do Barangal foi justo, um gringo -devidamente fantasiado de ele mesmo, isto é, de turista. Vai entender!
E aí é que eu digo, folião no posto 9 quando dá pra inventar não põe limites à imaginação.
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