Desenho de Som e Arte Sonora no Cinema
- Ricardo Mansur

- 24 de nov.
- 3 min de leitura

O som no cinema brasileiro até os anos setenta foi envolto em polêmicas críticas, por vezes pertinentes e por vezes infundadas. A falta de sync labial, objeto de métodos equivocados de dublagem e falta de experiência de atores, diretores e técnicos era objeto de crítica pertinente e conferia ao resultado final uma certa ingenuidade, sendo generoso ou uma incompetência, sendo rigoroso.
Mas apesar de nascido na limitação técnica, o cinema brasileiro por excelência, esteve sempre em busca de inovação e experimentação.
Desde o fabuloso e seminal “Limite” de Mário Peixoto, passando pelo cinema novo e o chamado “cinema marginal” (que deveria ser devidamente rotulado como “cinema de invenção” como postulam seus criadores) até o “cinema da retomada” e chegando ao luminar cinema contemporâneo dos dias atuais.
Numa análise mais aprofundada podemos observar que a busca por inovação da linguagem e experimentação por vezes era confundida por incautos como falta de técnica. Mas a falta de sync em filmes do Glauber Rocha, por exemplo, muitas vezes era fruto da profusão criativa que impulsionava o criador a inventar novos diálogos na pós-produção que nunca haviam sido gravados diretamente. Em síntese: nesses casos, a ideia era mais importante que a técnica ou ainda, a ideia era mais importante que a simulação da realidade.
Não obstante, a época da “falta de sync” já se foi. Nos dias de hoje, com a profusão da edição não-linear, câmeras de celular com hiper definição e softwares de alta tecnologia ao alcance de todos (ou quase todos a bem dizer), as questões sonoras que perpassam a realização audiovisual, são de outra ordem e dimensão.
Temos altíssima qualidade, tecnologia avançada e experiência adquirida, portanto, esse não é mais o problema. Se temos técnica suficiente e equipamento, podemos dimensionar os novos desafios do cinema brasileiro voltando às questões fundamentais ligadas à criatividade, inovação e linguagem. Encaremos essas questões sem os antigos fardos.
Michel Chion, autor do livro seminal Audiovisão (a bíblia do som no cinema), diz em tom de provocação que “não há banda sonora no cinema”. Ao dizê-lo chama atenção sobre a unidade do “produto” audiovisual, onde som e imagem não são dois aspectos separados, mas devem se articular em unidade. Chion coloca nossa percepção em xeque e afirma que a imagem em movimento influencia a maneira que escutamos os sons e vice-versa. Som e Imagem são indissociáveis em termos perceptivos. A imagem, por definição: visível.
O som: invisível. E por essa natureza invisível, muitas vezes superficialmente “imperceptível”, mas sempre presente, pois como diz também em tom provocativo o célebre cineasta francês Robert Bresson: “o cinema inventou o silêncio”.
Donde se conclui que, de fato, o silêncio é uma abstração teórica, talvez emocional, uma ideia de ausência sonora impossível no ambiente atmosférico do planeta Terra. O som, consequência dos movimentos, está sempre a nos atingir e nos influenciar até mesmo durante o sono. A partir desse fenômeno podemos inferir sua extrema importância. A audição é um sentido permanente no nosso arcabouço perceptivo.
A partir dos anos 50 houve grande impacto na arte de organizar os sons que chamamos de música. Foram incorporados objetos sonoros da realidade e não mais apenas notas musicais. Os ruídos ganham protagonismo em obras experimentais dos autores Pierre Shaffer e Pierre Henry. Surgia a chamada música concreta, posteriormente denominada música eletroacústica e hoje em dia chamada arte sonora, incorporando elementos da performance e da instalação, próprios das artes visuais. Fato é que cada vez mais se utilizam ruídos, sínteses e objetos sonoros dos mais variados na criação musical.
Cadências, ritmos, melodias e harmonias não dependem mais de instrumentos musicais que emitem frequências “perfeitas” e precisamente determinadas. Temos um universo ilimitado de sons ao nosso dispor para criar obras de arte sonora. Mas o cinema na sua intrínseca busca de recriar a realidade, do ponto de vista sonoro, já organizava e reproduzia os ruídos do nosso cotidiano, atrelados às imagens, e por vezes, desatrelados das imagens, na tentativa dialética de conferir um “terceiro sentido” oriundo do choque entre a imagem e o som.
Não é exagero então afirmar que o cinema inventou a música concreta ao articular ruídos organizados numa obra de reprodução. Talvez seja até imperativo, do ponto de vista do realizador, considerar que a organização dos sons na linguagem audiovisual se articule como música, criando ritmos, melodias, cadências e harmonias.
As possibilidades narrativas se expandem infinitamente uma vez que não consideramos que o som está a reboque da imagem, mas está se articulando conjuntamente com ela e criando uma unidade de sentido.
Essa formulação não é nova à luz das palavras de Bresson: “os ruídos no cinema devem soar como música”. Mas podemos reformular para reafirmar e chamar atenção de todos para a potência da linguagem audiovisual: o desenho de som no cinema pode e deve soar como arte sonora.
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