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O AGENTE SECRETO

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Aercio Barbosa de Oliveira*


Eu gosto mesmo é de cinema! Isso, apesar de ter participado, quando jovem, de dois grupos de teatro – Reticências e Periferia da Periferia. Este último, que usava a técnica Fórum do Teatro do Oprimido, chegou a ter duas esquetes – Violência Doméstica e Racismo – aplaudidas por Augusto Boal. Até hoje não sei se ele fez isso por espanto ou mera formalidade. Mas isso não importa: ainda prefiro o cinema.


E sob os efeitos de mais uma barbárie urbana, assisti O AGENTE SECRETO duas vezes em menos de 48 horas. A primeira, numa sala lotada em Botafogo, provavelmente com adoradores incondicionais da sétima arte. A segunda, numa sala com poucas dezenas de pessoas, no shopping, em meio a muita mastigação de pipoca, na cidade de Nova Iguaçu. Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi onde o MÃO BRANCA ganhou vida e manchetes de jornais.


O Mão Branca existiu em um tempo de muitos campos de futebol, que ainda não haviam dado lugar aos conjuntos habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. E se não era no rio ou no mato, o campo de futebol era o local predileto para desovar os executados pelo MÃO BRANCA. O MÃO BRANCA eram muitos. O "Branca" é autoexplicativo, e só faz sentido num país com a nossa formação social.


Bem, no dia 28 de outubro, dias antes do lançamento d’O AGENTE SECRETO, a polícia invade o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha e assassina 117 pessoas – não era mais o MÃO BRANCA, mas sim uma estratégia da qual a grande imprensa, o governador e os secretários de polícia se jactavam. É o MURO DO BOPE, não é mais o MÃO BRANCA! Corta e sai da Misericórdia!!!


Logo na abertura, ao colocar um Fusca amarelo para abastecer num posto de gasolina, O AGENTE SECRETO já produz uma soberba síntese desse Brasil: a indiferença do Estado e de seus representantes perante o horror da vida cotidiana de quem trava uma batalha diária. As artimanhas dos agentes públicos, enquadradas em pleno Carnaval recifense, aparecem na abertura.


Segundos antes, em preto e branco, temos as imagens dessa nossa mestiçagem: Chacrinha, Selva de Pedra, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, Iracema – uma Transa Amazônica, Cinema Novo, etc.


O AGENTE SECRETO, para quem gosta também de ler, equivale àquelas obras que buscam entender a formação social brasileira. O filme busca compreender os elementos desse amálgama social que, para o nosso pavor, gerou A PERNA CABELUDA, O MÃO BRANCA, os 117, os 121, os 91 e os mais de 110 , e as tragédias que esquecemos de contabilizar – Carandiru, Candelária, Vigário Geral, Jacarezinho, Altamira, Pedrinhas, Alcaçuz, Anísio Jobim... (É preciso uma memória inquebrantável para tanto!)


A película é um "gatilho" para nos lembrar dos matadores fardados ou não, que desovam em represas e rios, de noite ou de dia. Aquele "passeio" na madrugada de Recife, na película, para ajudar a "passar de 100" em mais um Carnaval, deixa de ser ficção e se torna documentário. Vemos, em um jeito de filme B, o povo, sempre suado, com cara de povo. Cada ator é para lá de bom; Vagner Moura não está só!


N’O AGENTE SECRETO aparece esse povo que ainda ri, abraça e se solidariza. Mas mostra um Brasil de filhos sem pai, filhos sem mãe, mas, principalmente, filho sem pai. Parece um povo em que a paternidade e a maternidade não foram queridas nem planejadas. Só foi, aconteceu. Não dá para não estabelecer relações: veja em que momento o filme premiado em Cannes é lançado no Brasil?!


O filme também escancara o velho preconceito sulista e sudestino que empina o queixo para o Nordeste. E o casamento satânico entre o empresário e o Estado patrimonialista. Fazia tempo que não se via algo tão bem feito, capaz de colocar, em quase três horas, o Brasil de 1977, da ditadura; junto com o Brasil de 1980, de 90, e do século XXI. Temos uma obra “transcendental histórico social”.


Já não há mais jornal cobrindo corpos nem vela para iluminar os caminhos da alma; as velas estão em baixa, é muita oração. Na Serra da Misericórdia, não teve Mão Branca; lá, sem dó, foi o MURO DO BOPE, Caveira!!!!


Para muitos, é a oportunidade de ver o povo, com seus males e bens, no escurinho do cinema, de ver o povo de longe. É também a oportunidade de ver uma obra cinematográfica do mais elevado nível estético, de memória e história. O filme nos dá a genealogia da Mineira, do Mão Branca, do Estado que edifica o Muro do Bope sem misericórdia. Do cheiro de morte que contagia a atmosfera mental e o nosso ar.


E um lembrete: dos 117 mortos na Serra da Misericórdia, 33 não tinham o nome do pai na certidão. Ignorado *************.


O AGENTE SECRETO, triste, um produto fresquinho, uma parte de nós.


*Cronista, adora filosofia, futebol e cinema.


 

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