LER E REFLETIR SÃO ATOS SUBVERSIVOS
- José Luiz Alquéres

- 13 de nov.
- 3 min de leitura

Minha avó paterna era uma pessoa de muitas qualidades e talentos. Quando menino, lembro dela ouvindo o rádio ao mesmo tempo em que fazia intrincados suéteres de tricô e jogava xadrez comigo e com meu irmão, cada um com o seu tabuleiro.
Como se não fosse bastante, ela não raro interrompia rapidamente tais atividades para orientar outras crianças, nossos primos, ou empregados que por perto passavam e dela recebiam orientações, sempre ditadas de forma muito direta, do que fazer. Era uma pessoa que, a despeito dessa profusão de atividades e estímulos, performava muito bem, tinha bom senso e sabia ser muito delicada quando a ocasião se oferecia. Ela havia com sucesso sucedido o marido no comando da empresa familiar ao tempo que mantinha a autoridade sobre seus 6 filhos.
Naqueles distantes anos 50 e 60, o rádio da cozinha só era desligado durante a noite. Durante todo o dia, as tarefas das empregadas eram embaladas por chorinhos, sambas e boleros. Haja boleros! Quando a TV veio somar imagem ao som do rádio, o poder dos apresentadores e comentaristas cresceu significativamente sobre o dos locutores e radialistas.
Por outro lado, os telespectadores foram, progressivamente, perdendo sua capacidade de reflexão, envolvidos por narrativas onde argumentos vocalizados eram combinados com imagens contundentes, tudo isso em ritmo mais veloz do que a voz sozinha. Mais recentemente, acrescentou-se no elenco destas novas mídias as mensagens das redes sociais: curtas, diretas, semi-verdadeiras e semi-falsas ao mesmo tempo.
A formação de uma mentalidade crítica e equilibrada ao fluxo dessas três presenças – rádio, TV e internet – ficou muito prejudicada enquanto se dava, simultaneamente, o crescente desprestígio do texto escrito.
Não só o texto escrito resulta de uma avaliação mais detida por parte de escritores, literatos, cientistas ou jornalistas do que querem comunicar, como ele exige dos leitores algumas condições de iluminação, silêncio e concentração. É preciso ter, ainda, algum domínio da velocidade e ritmo da leitura. Com isso, o(a) leitor(a) se capacita a perceber a narrativa sob diferentes ângulos, algumas vezes retornando a trechos menos compreendidos, outras acelerando em períodos de menor complexidade.
Ele/ela também tem o recurso de interromper a leitura para buscar alguma nova informação ou simplesmente para parar, pensar, refletir, criar associações com outras experiências sentidas e, mesmo, algumas situações históricas semelhantes. Neste ato de iluminar com diferentes refletores a mesma cena, ele enriquece a sua visão e, não raro, concebe uma interpretação própria, o que não ocorre sob a torrente de informações e dados que lhe chega em alta velocidade pelas novas mídias.
Assim, os textos são menos propensos a induzir seus leitores a aceitar como verdades absolutas o que lhes está sendo comunicado. Eles induzem à pesquisa, ao aprofundamento, à visão multifacetada, à repulsa a verdades absolutas e dogmáticas que transparecem quando as informações chegam altamente processadas e jorram a grande velocidade por olhos e ouvidos super-estimulados.
O texto, enfim, é subversivo porque mina a interpretação rápida, a meia verdade apressada e mergulha na relativização daquilo que se apresenta como primeiras impressões, normalmente cognominada a verdade dos fatos. A verdade nem sempre se apresenta de forma clara. Ela exige sabermos descortiná-la em meio a fatores que dela desvie a nossa atenção.
Minha avó, no horário de leitura diário de seu jornal, seus livros ou seus romances, não se permitia realizar outras atividades paralelas. Era como uma meditação ou oração, durante a qual ela concatenava suas ideias e hoje, considero, consolidava sua sabedoria e visão da vida. Ela viveu forte e determinada quase até o final de seus 99 anos. Muitos livros de sua biblioteca foram fundamentais em minha formação.
JOSÉ LUIZ ALQUÉRES é cronista sênior do Portal CRIATIVOS, promovendo o debate em cultura, economia criativa e tecnologia. Engenheiro civil de formação, possui uma influente trajetória executiva, presidindo a Light e a Eletrobras, além de ter sido Secretário Nacional de Energia. Atualmente, é escritor, editor e membro do IHGB, utilizando o texto para instigar o pensamento crítico.
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