O FLUMINENSE RESSUSCITOU NELSON RODRIGUES
- Jose Roberto Sampaio

- 7 de jul.
- 6 min de leitura

Estava trabalhando quando o Fluminense decidiu a vaga para semifinal do Mundial de Clubes de 2025, com o Al Hilal. Tenho que confessar, conquanto botafoguense, torci pelo tricolor carioca. Afinal, é o Rio, é o Brasil, é o time de muitos queridos amigos.
Consegui deixar a tv, da minha sala, ligada, com a transmissão do jogo ao vivo. Sem som. Assim não me atrapalhava. Dava, apenas, uma olhadela, de vez em quando, para ver como estava. Não consegui pegar nenhum gol. Mas vi o eletrizante final.
Fiquei impressionado: Fluminense classificado para a semifinal do mundial de clubes. Colocou-se entre os 4 melhores times do mundo. Fluminense e Chelsea, que eliminou o valoroso Palmeiras, logo em seguida a marcante vitória tricolor carioca, sobre o time milionário dos árabes.
Podem estar nesta lista, também, PSG, campeão da Champions League, Bayer de Munique, Real Madri, gigantes do futebol mundial. Realmente incrível. Ainda mais se se comparar o valor do elenco do time brasileiro com os das equipes estrangeiras. Uma diferença abissal. Centenas de milhões de euros. Mérito do técnico Renato Gaúcho. Mérito de todo o competente time.
Fui dormir, naquela noite, com o grande feito do Fluminense na cabeça. Não tenho certeza se já estava dormindo ou não. Ouço uma voz familiar, calma, pausada e, ao mesmo tempo, contundente. Digo, para mim mesmo: Não é possível! Caro leitor, fiquei perplexo! Era o Nelson Rodrigues. Um dos mais notórios, mais renomados, mais tudo que se possa imaginar, torcedor do Fluminense.
Fiquei maravilhado! Sou um fã deste escritor, cronista, jornalista e dramaturgo. Li o que pude da sua obra. “A vida como ela é …” é genial. As crônicas, imperdíveis. Os filmes, baseados em seus livros, nem tanto. Não gostei da maioria que vi. Peças, embora tenha lido todas (no total 17), assisti, no teatro, muito poucas. Quando li, posso dizer, fiquei impactado. Todas, até hoje, surpreendentes, ousadas e, à época, inovadoras.
Vislumbrei, naquele momento, a oportunidade de realizar um sonho que sempre tive: conversar com Nelson Rodrigues. Tinha tanto a dizer. Tanto a perguntar sobre sua vida e obra. Sem hesitar, com receio de ele desaparecer a qualquer momento - não queria, por nada, perder aquela chance -, arrisquei uma pergunta sobre teatro:
- Nelson, se você me permite chamá-lo assim, gostaria de te fazer uma pergunta. Com sua experiência no além, você mudaria alguma cena, algum texto nos diálogos, em “Vestido de noiva”?
Ele me respondeu com alguma rispidez:
- Não vim aqui falar de teatro. Não ressuscitei para tratar de outro assunto, senão a vitória do Fluminense sobre o Al Hilal.
Tudo bem! Bater um papo com Nelson sobre futebol. Um privilégio. Suas crônicas esportivas são memoráveis. Não houve, nem nunca haverá um cronista que escreva sobre futebol, como ele. Não tenho dúvidas. Recomendo a leitura, caro leitor, de “A Sombra das chuteiras imortais” e da “Pátria de chuteiras”. Uma conversa com ele sobre este tema seria interessantíssima. Todavia, em pese torcendo a favor, não sou tricolor. Há outros assuntos que queria muito abordar com ele. Insisti. Mas desta vez fui mais cauteloso. Tentei ser mais agradável:
- Não sei se você soube! No seu último dia, de sua existência terrena, você ganhou na loteria. 4 milhões de cruzeiros! Um dinheirão.
Este é um fato que ganhou ares mitológicos, na vida deste notável escritor. Quando morreu, no dia 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, um bilhete da loteria esportiva, em que havia apostado, junto com amigos, foi premiado. Os registros históricos, sobre este fato, revelam que Nelson não chegou a saber antes de sua sorte.
Vi uma chance de ser simpático, contando para ele esta boa notícia, embora não fizesse mais nenhuma diferença para alguém desencarnado receber uma bolada de dinheiro. Não deu certo. Ele somente queria saber, falar ou ouvir sobre o Fluminense:
- A grande tragédia do Brasil, não foi a escravidão. Foi o dia em que o Brasil começou a torcer contra o Fluminense.
Via, naquele momento, com clareza solar, que sua insólita visita tinha um único propósito: saber mais e mais sobre a épica vitória tricolor, nas quartas de final do Campeonato Mundial de Clubes de 2025. Rendi-me a esta realidade. Desisti de saciar minha curiosidade acerca de sua vida e obra. Redargui:
- No jogo desta tarde, vi vários torcedores do Flamengo, do Vasco, do Botafogo e de outros times brasileiros, torcendo pelo Fluminense.
Ele não estava bem-humorado. Imagino que um morto tenha motivos para estar neste estado de espírito:
- O homem é um canalha. O ser humano só é sincero quando está sozinho. Não venham com Flamengo, Vasco, Botafogo. Contra tudo e contra todos, o Fluminense sempre vence. Pode estar morto. Enterrado. Ele levanta da cova e vence.
Percebi que, o sempre polêmico dramaturgo, para mim um dos maiores da história do teatro brasileiro - com Ziembinski, revolucionou o teatro brasileiro, com apresentação, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de seu “Vestido de Noiva”, em 1943 -, naquele momento, estava querendo que eu começasse a contar os detalhes do nocauteante triunfo pó de arroz. Mais nada.
Havia um problema. O atento leitor já deve ter se apercebido. Não consegui ver o jogo todo, como acima salientei. Apenas alguns lances. Como poderia descrever uma partida de futebol que não assisti?
Lembrei-me, então, de uma passagem da vida do inesquecível cronista do “O Globo”, eternizada por Ruy Castro, em seu “O Anjo Pornográfico”. Mesmo sem conseguir assistir ao jogo, ainda que presente ao estádio, por causa de uma miopia que atingia a 16 graus, Nelson escrevia crônicas sobre a partida com base em suas percepções, sua sensibilidade e, acima de tudo, sua verve poética. E o resultado é bem conhecido de todos: textos que registram e ficaram na história do futebol brasileiro.
Não tenho como me comparar. Há um oceano sem fim de distância. Mas posso me inspirar nele. Deste modo, para não frustrar meu visitante ilustre, resolvi contar a ele minha versão, com base no que vi e ouvi, desta memorável vitória tricolor:
- O Fluminense não se acovardou. Jogou com muita coragem, disposição e, acima de tudo, competência. Fez um gol em uma bela jogada de um craque promissor, Martinelli, aproveitando-se de uma falha da defesa árabe, já no final do primeiro tempo.
Ele me interrompeu, no meio da minha narrativa:
- O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. O Fluminense pode estar em cacos, em frangalhos, que ainda mete medo.
Fiquei impressionado. Ele parecia estar a par da atual situação do tricolor carioca, que passou um grande susto ano passado, com ameaça de rebaixamento, no Campeonato Brasileiro, e, agora, começa a se reorganizar. Perguntei-me: “Como pode um morto estar tão atualizado, com o que acontece com seu clube do coração? Isto é que é paixão eterna!”. Após uma pausa, continuei a descrever o jogo:
- Logo, em seguida, um susto. Penalty para o Al Hilal. A torcida tricolor arregalou os olhos. Tensa, apreensiva. Certamente, algum torcedor se questionou: “Não acredito! Uma jogada boba! Não pode ser verdade!”.
Nelson, mais uma vez interveio:
- A camisa do Fluminense tem sangue, tem alma, tem tradições até debaixo d’água. Sou tricolor como outros são ingleses ou protestantes.
Prossegui:
- De repente, o arbitro bota a mão no ouvido. Aperta o transmissor acomodado em sua orelha. Vai haver a checagem do VAR. Os torcedores do Fluminense se contorcem, como descrito nas crônicas de Coelho Neto, no passado, na esperança de uma anulação da decisão arbitral. Não deu outra. Penalty revisto. Terminou o primeiro tempo, o Fluminense estava na frente no placar.
Há alguns dias, se alguém ousasse dizer que o Fluminense chegaria tão longe, seria chamado de louco. E na virada do primeiro para o segundo tempo, estava em vantagem, 1x0. Nelson pareceu ler meus pensamentos. Foi enfático, em tom repreensivo:
- Há um complexo de vira-lata no futebol brasileiro. Menos no Fluminense. O Fluminense não joga. Ele desfila em campo.
O segundo tempo, como já se sabe, foi dramático. Foi assim que contei ao Nelson o que houve, naquele mágico jogo de futebol:
- Logo no início do segundo tempo, o Al Hilal empatou. O time tricolor, entretanto, não parecia se intimidar. Não se abalou. Continuou a jogar bem, fiel a sua estratégia de jogo, até que, aos 24 minutos, Hercules, como o herói mitológico, faz mais uma de suas façanhas. Mete uma bola precisa, no canto, colocando o Fluminense, mais uma vez, na frente no placar. 2x1.
- O Fluminense não se discute: se ama. As vitórias do Fluminense têm um toque de Mozart.
Já acostumado com os apartes e encantando com eles – quantas saudades! – conclui a descrição, desta dramática partida de futebol assim:
- No final do jogo, uma pressão enorme do adversário. Ataque contra defesa. Uma bola na área atrás da outra. Algumas com muito perigo para a meta do bom goleiro tricolor. Quando veio o apito final, uma explosão de êxtase. A torcida parecia não acreditar no que estava vendo. O Fluminense ganhou. Classificou-se para a semifinal. Um resultado gigantesco, diria, a altura das tradições do tricolor carioca e do futebol brasileiro.
- Se eu tivesse de resumir a história tricolor em uma palavra, a palavra seria: glória. A torcida tricolor é uma nobreza que não desaprende. O Fluminense é o único clube que nasceu com classe, vive com classe e morre com classe – se é que o Fluminense morre.
Ao fazer este comentário, Nelson desapareceu. Abri os olhos e procurei por ele. Pensei: “Foi um sonhou ou sou médium e não sabia?”. Todas as frases de nosso diálogo são inegavelmente dele, com exceção da primeira. Pode conferir, caro leitor.
De todo modo, não importa. Tanto faz. Senti-me, naquele momento feliz. Feliz por ter tido a experiencia de conversar com Nelson Rodrigues, o que, para mim, pareceu muito real. Feliz pelo Fluminense, o Rio, o Brasil ter chegado tão longe na Copa do Mundo de Clubes, contra todos os prognósticos. Não há como não ter orgulho, sentir-se gratificado por uma vitória tão significativa para o futebol brasileiro. Boa sorte tricolores. Espero que consigam ir mais adiante nesta épica campanha.
Rio de Janeiro julho de 2025.
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