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O Paradoxo da IA na Música: a Revolução que Cria, Copia e Destrói ao Mesmo Tempo


Monstro comendo instrumentos musicais _ IA
Monstro comendo instrumentos musicais _ IA

Este artigo traz em si um enigma. Possivelmente, o enigma que vai dominar a humanidade nos próximos 5, 10, 15 anos: qual o impacto da IA na sociedade? O recorte aqui é o campo da música, mas música é cultura, e cultura é vida humana — portanto, a análise necessariamente transborda.


A explosão da IA generativa marcou um dos maiores pontos de inflexão da história musical. Em poucos anos, saltamos de imagens borradas e sons sintéticos para músicas completas criadas por máquinas capazes de imitar vozes, estilos, arranjos, timbres e até emoções humanas com precisão perturbadora.


De repente, faz-se música sem compositores, gravações sem estúdios, videoclipes sem câmeras, atores ou bailarinos. Não estamos diante de uma evolução tecnológica, mas de uma transformação social e cultural com impacto direto na criação, na remuneração, no audiovisual, nos direitos autorais, nas políticas públicas e na própria identidade artística. A própria línguagem escrita vem sendo moldada por indexadores de SEO , uma engenhoca algorítmica que facilita rankeamento no Google — e promove uma uniformização que, ironicamente, ameaça a criatividade que diz proteger.


O mundo assistiu atônito quando surgiram modelos capazes de reproduzir vozes de artistas famosos sem autorização. A produção musical explodiu, as obras sem autor humano se multiplicaram, a competição ficou desleal, e o valor do trabalho criativo despencou. A fraude cresceu: falsos artistas, falsos streamings, fazendas de bots e milhões de dólares escorrendo para fantasmas musicais. A distorção é tão grande que o setor começa a se debater entre euforia tecnológica e precarização generalizada.


Durante toda a era digital pré-IA, repetiu-se o mantra da “democratização”. O que ninguém dizia é que tal democratização veio da apropriação de acervos criados ao longo de milênios — sem crédito, sem consentimento, sem remuneração. Enquanto isso, consolidava-se um dos maiores oligopólios da história: as Big Techs. E então surgiram os primeiros freios. A vitória provisória da GEMA, sociedade alemã de direitos autorais, contra a OpenAI no caso de letras protegidas usadas em treinamento inaugurou algo raro: um precedente histórico concreto.


A Europa vem apertando o cerco. No dia 5 de dezembro de 2025, a União Europeia multou a plataforma X (ex-Twitter) em 120 milhões de euros por falta de transparência e selos enganosos — decisão amplamente divulgada que provocou reações furiosas de Elon Musk e apoio imediato dos EUA. Há tensão no ar, e não pouca.


Não sou tecnofóbico, ao contrário. Em 1990, gravei o LP Embaixada do Samba, reunindo compositores da Baixada Fluminense, anônimos autores de clássicos, usando um estúdio de 30 canais que “sincava” duas máquinas de 16 — numa época em que 24 canais já era luxo. O disco venceu o Prêmio FIAT. Uso editores digitais de partitura há décadas. Tecnologia nunca foi o problema. O problema é que, agora, a coisa desandou. Vivemos a era da disruptura, da distopia — o samba do algoritmo doido.


A IA é simultaneamente a maior aliada e a maior ameaça econômica aos criadores. Quanto mais poderosa a máquina, maior o desequilíbrio entre artistas e empresas que treinam modelos com dados alheios. A máquina cria rápido. Não paga direitos. Não dorme nem acorda. Ela produz em escala industrial enquanto criadores humanos tentam sobreviver numa parte da economia que sempre dependeu da raridade, do estilo, da singularidade.


E para apimentar a situação, ainda estamos dentro de uma bolha — uma das maiores da história recente. Está claro que os ativos de IA estão anabolizados, sustentados por acordos cruzados do tipo “compro seu negócio se você comprar ações do meu” ou “entro no seu datacenter se você adotar meus chips”. Não é teoria da conspiração; é prática de mercado. Não se brinca com fogo digital sem sair chamuscado. Minha expectativa pessoal é de que haja, no mínimo, 50% de bolha no setor. E bolhas estouram. Tenho ouvido opiniões similares por aí.


Nesse cenário, a informação correta torna-se o novo ouro da indústria musical. Quem é o autor verdadeiro? Quem merece ser remunerado? A certificação e o registro de obras não são burocracia: são a linha tênue entre sustentabilidade criativa e caos. Tenho trabalhado nos sistemas CertifcaSom e ConectaSom, que garantem metadados completos e rastreáveis com blockchain e IA, porque sem isso não existe cadeia produtiva — existe terra arrasada. Tenho uma excelente equipe baseada na Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, um polo de tecnologia do Brasil.


Enquanto isso, o audiovisual vive um renascimento global. O Brasil, potência cultural que é, aparece com vantagem estratégica real. Segundo o Mapeamento da Indústria Criativa 2025, elaborado pela FIRJAN, o setor representa 3,59% do PIB, movimenta R$ 393,3 bilhões por ano e emprega mais de 1,26 milhão de profissionais. A diversidade cultural brasileira, seus ritmos nativos inimitáveis e a profundidade de sua tradição musical colocam o país em posição privilegiada. O que faltava era o elo tecnológico — e ele começa a surgir. O mundo inteiro precisa de trilhas originais, músicas licenciáveis, metadados confiáveis. Há oportunidades gigantescas — desde que o criador esteja protegido.


O desafio não é eliminar a IA, mas domá-la. O futuro mais rico não é humano contra máquina, mas humano com máquina. O artista continua definindo emoção, estética, narrativa, intenção. A tecnologia amplia, mas não substitui — a menos que a sociedade permita que isso aconteça.


Por isso, a proteção aos direitos autorais, morais e de personalidade é urgente, assim como a educação tecnológica de novos artistas e o fomento à economia criativa. Cultura é desenvolvimento. Cultura é soberania.


A Inteligência Artificial na música não é uma tendência. É uma transformação civilizatória. Afeta desde o compositor da periferia até grandes produtoras, passando por políticas públicas, audiovisual, modelos de negócio e até a noção de autoria. A chave está em criar tecnologia justa, proteger criadores, construir plataformas confiáveis e assegurar inovação sem destruir a base humana que dá sentido à arte. O essencial é manter a humanidade no centro.


Antonio (Tuninho) Galante, dezembro 2025.


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1 comentário


Sonali Maria
Sonali Maria
há 2 dias

Que bom Tuninho, ler seu texto tao claro, com seus dados, mostrando seu posicionamento.e todo o trabalho que tem desenvolvido. Como.cientista social, antropologa, poetisa e tendo tido uma experiencia muito. particular em computacao ha 25 anos e pessoa muito proxima engenheiro de computacao que faz mestrado na coppe e trabalha com empresa do Vale do.Silicio, tenho cah minhas questoes. Fico muito feliz por estar em dialogo e publicando .com o editor de um portal que tem o alcance que tem e que estah aberto a varias opinioes. Grande abraco!

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