O Conforto da Culpa Alheia
- David Gertner

- há 2 dias
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Existe algo de profundamente humano — e ligeiramente cômico — na nossa capacidade de distribuir culpas com a mesma leveza com que se espalha confete ao vento. A culpa sempre encontra um destinatário. E é incrível como raramente esse destinatário atende pelo nome que aparece no nosso documento de identidade.
Culpar o outro é uma arte antiga. Atribuímos nossos desencontros ao destino, às circunstâncias, aos partidos, às nações, às ideologias. Criamos coleções inteiras de culpados: os ricos, os pobres, os que rezam de um jeito, os que rezam de outro, os que não rezam. Cada um ocupa seu lugar no grande teatro do “não tenho nada com isso”.
E, no entanto, desconfiamos instintivamente da verdade escondida sob esse ritual tão bem ensaiado. Culpar o outro é uma forma elegante de evitar o espelho. O espelho não aceita desculpas, não negocia narrativas, não compartilha responsabilidades. Ele devolve apenas aquilo que somos — e às vezes aquilo que gostaríamos tanto de não ver.
A culpa, assim, funciona como um escudo afetivo.
Protege, mas empobrece.
Alivia, mas nunca transforma.
Nos poupa do constrangimento de admitir que poderíamos ter sido melhores, feito diferente, cuidado mais, pensado melhor, mudado o rumo.
Responsabilidade, por outro lado, não é punição — é liberdade.
É o instante em que entendemos que nossas escolhas nos pertencem e que é justamente por isso que podemos mudá-las. A vida começa a se deslocar quando deixamos de procurar culpados e começamos a procurar caminhos.
Há uma tranquilidade inesperada no momento em que deixamos de perguntar “quem estragou o mundo?” e passamos a perguntar “o que posso fazer com a parte que me cabe dele?”. Essa mudança de pergunta não resolve tudo, mas muda tudo.
E talvez seja isso que nos humaniza: descobrir que a luz com que enxergamos o mundo só aparece quando aceitamos iluminar também as nossas próprias sombras.
Porque assumir responsabilidade não é carregar um peso — é abrir um horizonte.
É reencontrar a direção quando tudo parece disperso.
É perceber que, mesmo limitados, temos um pequeno poder: o de escolher o próximo passo.
E, às vezes, um único passo honesto vale mais do que uma vida inteira de culpas bem justificadas.
David Gertner, Ph.D.
Professor aposentado, escritor e ensaísta. Doutor pela Northwestern University, viveu mais de três décadas nos Estados Unidos, onde lecionou marketing internacional, comportamento do consumidor e place branding, publicando trabalhos acadêmicos amplamente citados. Hoje dedica-se à escrita de obras que exploram identidade, memória, ética, tecnologia e a condição humana. É autor de IA e Eu: A Inesperada Jornada de Liora e David, publicado e disponível na Amazon.
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