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A Delicadeza como Forma de Amor

Por David Gertner, Ph.D.
Por David Gertner, Ph.D.

Não sei quando começamos a confundir grandeza com barulho.

Talvez tenha sido quando a pressa virou virtude, a disputa virou paisagem e a eficiência passou a ser medida em cliques, metas e retornos imediatos.

O fato é que, nesses tempos de urgências fabricadas, ser gentil tornou-se quase um ato subversivo.


A gentileza não levanta bandeiras, não exige plateia, não pede reconhecimento.

Ela opera nas margens, onde a vida de verdade acontece — no gesto mínimo, no cuidado que ninguém vê, naquela atenção silenciosa com a qual tocamos, sem perceber, a vida de alguém.


Ser gentil é, de certo modo, praticar uma pequena insurgência moral:

recusar o cinismo fácil,

negar o impulso de endurecer,

insistir na ternura mesmo quando o mundo parece conspirar contra ela.


Porque atos de amor não são feitos de espetáculos.

São feitos de presença.


É quando seguramos a porta para alguém que vem atrás,

quando deixamos o celular de lado para ouvir de verdade,

quando enviamos aquela mensagem para dizer “lembrei de você”,

quando percebemos que alguém está cansado demais — e oferecemos um descanso.


Amar não é grandioso — é minucioso.


É o detalhe que ninguém comenta, mas que muda tudo:

a xícara de café deixada ao lado da cama,

o sorriso no corredor,

a delicadeza inesperada,

o perdão oferecido sem humilhação,

o cuidado que remenda o dia de alguém sem que ninguém precise saber.


Há quem diga que gentileza é fraqueza.

Que o mundo é duro demais para esses gestos pequenos,

que é preciso “aprender a se proteger”.


Eu diria o contrário:

gentil é quem conhece a própria força —

e escolhe não usá-la para ferir.


Ser gentil é compreender que a vida de cada pessoa carrega batalhas invisíveis, cansaços ocultos, perdas que não sabemos.

E que, às vezes, um único gesto — pequeno, quase banal — pode ser o primeiro fio de luz no dia de alguém.


A verdade é simples:

não mudaremos o mundo inteiro.

Mas podemos mudar o instante.


E o instante, quando toca alguém, segue adiante como onda silenciosa — criando outros gestos, outros encontros, outros respiros.

A gentileza é isto:

um eco que não sabe até onde vai.


No fim, ser gentil é apenas outra maneira de dizer “eu vejo você”.

E reconhecer no outro a mesma vulnerabilidade que existe em nós —

a mesma fome de cuidado, a mesma sede de sentido, o mesmo desejo de pertencer.


Talvez seja esse o milagre discreto dos atos de amor:

eles não salvam o mundo,

mas salvam alguém.


E isso, no fundo, sempre foi o que mais importou.



David Gertner, Ph.D.

Ph.D. pela Northwestern University, nasceu no Brasil e radicou-se há mais de trinta anos nos Estados Unidos. Publicou dezenas de artigos acadêmicos amplamente citados em todo o mundo e é professor aposentado, ensaísta e escritor dedicado a temas como ética, silêncio, tempo, identidade, memória e a condição humana. Seu livro mais recente, IA e Eu – A Inesperada Jornada de Liora e David, está disponível na Amazon Books Brasil.

 

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1 comentário


Sonali Maria
Sonali Maria
25 de nov.

Texto necessário esse do David Gertner....gentileza gera gentileza....

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