A Delicadeza como Forma de Amor
- David Gertner

- 25 de nov.
- 3 min de leitura

Não sei quando começamos a confundir grandeza com barulho.
Talvez tenha sido quando a pressa virou virtude, a disputa virou paisagem e a eficiência passou a ser medida em cliques, metas e retornos imediatos.
O fato é que, nesses tempos de urgências fabricadas, ser gentil tornou-se quase um ato subversivo.
A gentileza não levanta bandeiras, não exige plateia, não pede reconhecimento.
Ela opera nas margens, onde a vida de verdade acontece — no gesto mínimo, no cuidado que ninguém vê, naquela atenção silenciosa com a qual tocamos, sem perceber, a vida de alguém.
Ser gentil é, de certo modo, praticar uma pequena insurgência moral:
recusar o cinismo fácil,
negar o impulso de endurecer,
insistir na ternura mesmo quando o mundo parece conspirar contra ela.
Porque atos de amor não são feitos de espetáculos.
São feitos de presença.
É quando seguramos a porta para alguém que vem atrás,
quando deixamos o celular de lado para ouvir de verdade,
quando enviamos aquela mensagem para dizer “lembrei de você”,
quando percebemos que alguém está cansado demais — e oferecemos um descanso.
Amar não é grandioso — é minucioso.
É o detalhe que ninguém comenta, mas que muda tudo:
a xícara de café deixada ao lado da cama,
o sorriso no corredor,
a delicadeza inesperada,
o perdão oferecido sem humilhação,
o cuidado que remenda o dia de alguém sem que ninguém precise saber.
Há quem diga que gentileza é fraqueza.
Que o mundo é duro demais para esses gestos pequenos,
que é preciso “aprender a se proteger”.
Eu diria o contrário:
gentil é quem conhece a própria força —
e escolhe não usá-la para ferir.
Ser gentil é compreender que a vida de cada pessoa carrega batalhas invisíveis, cansaços ocultos, perdas que não sabemos.
E que, às vezes, um único gesto — pequeno, quase banal — pode ser o primeiro fio de luz no dia de alguém.
A verdade é simples:
não mudaremos o mundo inteiro.
Mas podemos mudar o instante.
E o instante, quando toca alguém, segue adiante como onda silenciosa — criando outros gestos, outros encontros, outros respiros.
A gentileza é isto:
um eco que não sabe até onde vai.
No fim, ser gentil é apenas outra maneira de dizer “eu vejo você”.
E reconhecer no outro a mesma vulnerabilidade que existe em nós —
a mesma fome de cuidado, a mesma sede de sentido, o mesmo desejo de pertencer.
Talvez seja esse o milagre discreto dos atos de amor:
eles não salvam o mundo,
mas salvam alguém.
E isso, no fundo, sempre foi o que mais importou.
David Gertner, Ph.D.
Ph.D. pela Northwestern University, nasceu no Brasil e radicou-se há mais de trinta anos nos Estados Unidos. Publicou dezenas de artigos acadêmicos amplamente citados em todo o mundo e é professor aposentado, ensaísta e escritor dedicado a temas como ética, silêncio, tempo, identidade, memória e a condição humana. Seu livro mais recente, IA e Eu – A Inesperada Jornada de Liora e David, está disponível na Amazon Books Brasil.
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Texto necessário esse do David Gertner....gentileza gera gentileza....