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CATARINA

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A inteligência artificial já tinha deixado de ser surpreendente e as atividades humanas típicas da história da humanidade até meados do século XXI já eram lembranças distantes. Em algum momento os programadores tinham sido substituídos por softwares avançados e capazes de formulações diferentes daquelas baseadas em dados pré-existentes.


Passaram a propor hipóteses e desenvolver experimentos e estudos capazes de gerar conhecimento novo, teses inéditas e inovadoras. A mente humana, como conhecida até então, dava sinais claros de obsolescência. Um ou outro sobrevivente de anos anteriores, todos beirando os 120 anos de idade, ainda tinha capacidade de se impressionar com o que acontecia, guardava lembranças de livros lidos, do câmbio manual dos velhos automóveis, do tipo de relacionamento estabelecido entre médicos e pacientes e de outras idiossincrasias do passado. Havia quem lembrasse dos ultrapassados cartões de crédito. 


Até de terapias, psicanálise, hidroginástica, academias e um sem número de atividades já soterradas pela tecnologia invisível da IA. Os chips que todos recebem ao nascer – ou serem fabricados - garantem a identificação, os movimentos, a localização precisa, informações de saúde e obrigações para com o estado, ou o que sobrou dele. O comando efetivo da coletividade está entregue às corporações, tidas como à prova de falhas, comandadas por hologramas inteligentes, enquanto seus oito ou dez grandes controladores humanos vivem em locais remotos, ou não , porque os locais são desconhecidos, protegidos de seus próprios impérios digitais, aptos e propensos a se rebelar a qualquer momento. 


As cidades nem de longe lembram os aglomerados antigos, baseados na solidez das edificações e no caos viário sujeito ao trânsito ininterrupto de veículos autopropelidos, poluentes e barulhentos. Com a absoluta falta de necessidade de deslocamento causada pela holografia on time, cada pessoa pode estar em diversos locais ao mesmo tempo sem sair de casa, e em cada um deles com absoluta autonomia para a tomada de decisões, tratamentos de saúde, inclusive com intervenções cirúrgicas e até genéticas, ou reprogramação mental, tão necessária e corriqueira nestes tempos de banalização do acúmulo de conhecimento.


A Catarina era das poucas humanas não chinesas que ocupava uma função relevante na indústria de gente, como era conhecida a usina produtora dos humanóides destinados à extração de minerais radioativos para a geração de energia.  Graças à sua aparência “fora do padrão”, resultado da origem na antiga sociedade brasileira, a única que manteve características multiraciais depois da grande onda fascista do final do século XXI, a Catarina foi encaminhada para o grupo responsável pela “sistematização de consciências”. Era lá que os humanóides recebiam as informações de inteligência artificial referentes à sua própria figura, a identificação pessoal, seus gostos, detalhes psicológicos e somáticos, tais como alergias, fobias, manias, traços de personalidade. 


Catarina chefiava o controle de qualidade mas era, ela própria, resultado de um erro daquele setor. Os humanóides da Divisão de Expressão Fenotípica, a temida DEF, responsáveis pela gestão da padronização da genética dos humanoides especificamente no setor que conferia características externas semelhantes a todos, tinham deixado vazar um pacote de genes oriundos da antiga sociedade brasileira, com predominância de características indígenas e africanas. 


O pacote era guardado a sete chaves, mas um humanóide com má formação psicológica, indisciplinado e proativo, realizou experiências independentes e conseguiu criar Catarina em separado, com características absolutamente diferentes dos milhões de indivíduos oriundos das usinas. 


Já havia muitos anos que a alta direção havia optado pelo padrão oriental, com base em estudos estratégicos e sigilosos. Todos deveriam ser semelhantes a um chinês ou chinesa de estatura um pouco superior ao chinês médio do século XXI. 


Após o tempo de incubação, que era o período de maturação das características incorporadas ao humanóide, Catarina foi submetida ao controle, mas em virtude de sua inteligência superior, não foi eliminada, apesar de sua aparência. Pouco tempo depois, ela foi a primeira humanóide heterodoxa a ocupar um cargo de importância no sistema.


Ao contrário dos humanos tradicionais, que ainda nasciam como resultado da fecundação arcaica, os humanóides eram gerados a partir de uma combinação pré-definida nos laboratórios genéticos, sem fecundação e de acordo com as demandas de mão de obra, com a garantia da homogeneidade fenotipica, ainda que a expressão genotipica, menos visível, fosse diferente para atender cada tipo de trabalho ou função.


A livre fertilização tinha sido proibida desde o início da reconstrução, chefiada pelos CEO’s das grandes companhias, sendo liberado o sexo recreativo apenas para os humanos em cargos de direção e completamente vetado aos humanóides. A reprodução de humanos era controlada por uma única corporação e a geração era acompanhada sistematicamente com rigor absoluto. Como havia um número pequeno de mulheres, era comum entre os humanos o homossexualismo masculino. Os raros casais héteros eram entendidos como elementos superiores, numa hierarquia confusa. 


Em virtude de sua posição de chefia, Catarina era a única que podia,  mesmo sendo mulher e humanóide, ostentar um parceiro. A alta direção, após constatar o erro do controle que permitiu a geração de Catarina, optou por dar a ela status de humana. O processo foi longo e complexo por se tratar de uma experiência inédita, mas o sucesso parecia evidente. Tudo era, no entanto, parte de um estudo de grande alcance, focado naquela figura emblemática.


Catarina, ou XBC412Y, na planilha eletrônica de acompanhamento de atividades, observada por diversos humanoides e hologramas, num sistema de fiscalização que tinha várias camadas de monitoramento e visava à correção de todo e qualquer desvio, a fim de garantir que não se cometessem mais erros como o da criação equivocada de um ser como Catarina, cuja repetição poderia desestabilizar o modelo.


Os cabelos soltos esvoaçantes, a pele morena e o corpo curvilíneo de Catarina, associados a uma personalidade forte e marcante e um tipo de beleza que seria estonteante em séculos anteriores, mas causava absoluta estranheza naquele momento histórico diferente eram elementos suficientes para que ela fosse tida como uma ameaça inclusive para os mecanismos de inteligência artificial, que se esforçavam cada vez mais para explicar a grande parte da pequena humanidade restante o que Catarina significava.


Em seu refúgio de sobrevivência, espaço em que todos viviam e de onde controlava – ou não – seus hologramas e os humanoides sob sua supervisão direta, Catarina foi encontrada por um humanoide raivoso, que decidido a não atender às suas ordens, foi até lá com o intuito de eliminá-la com sua pistola de raios desintegradores.


A Catarina, suburbana de Madureira, candidata a passista do Império Serrano, estudante de Biologia, atendente numa clínica dentária na Piedade, torcedora do Flamengo e recentemente viciada em livros de ficção científica, acordou ofegante, suada e atrasada pro trabalho. Pesadelo horrível!


Banho, café, higiene bucal, vestiu o jeans e a camiseta antifascista, pegou o chaveiro do Flamengo e saiu.

Precisava variar mais as leituras, estudar mais pra faculdade e voltar ao samba. 


O namorado, suburbano de Cascadura e filho de chineses, já tinha avisado.

 

Rio de Janeiro, agosto de 2025.

 

O Brasil Musical: Um Ativo Global Ainda Pouco Explorado



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