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O JOGO


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O clima era de Copa do Mundo, mas daquelas de antigamente, quando o Brasil era favorito, todos sabiam os nomes e as biografias de todos os jogadores e, eventualmente, da comissão técnica. O time, no caso, era menor, mas a Margô fez questão do ritual. 


Chegou a estudar as fichas biográficas individuais que conseguiu na internet. Lamentava não haver álbum de figurinhas. Lembrava das figurinhas raras e até hoje, saudosa, quando passa pelos pilares da Casa Sloper, na rua Uruguaiana, para olhar os negociantes de figurinhas. Lembra quando comprou ali os cromos da Baleia e do Mancha Negra, do álbum da Disney dos anos 70. Também comprou ali um Romário, numa copa mais recente, pra um sobrinho. Ela mesma já tinha perdido o interesse, mas a atividade de troca e venda de figurinhas simbolizava uma fase da vida da qual ela lembrava com saudade. 


De repente vivia tudo de novo!! Gritos na janela, torcidas de lá e de cá, identidade visual clara de lado a lado, defesas apaixonadas de cada posição. A sensação era de que foram longas eliminatórias, jogos difíceis, muitas derrotas, classificação apertada, risco mesmo de repescagem. Uma tradição besta diz que quanto mais difícil a classificação, melhor o desempenho do Brasil na Copa do Mundo, mas a Margô não gostava dessa conversa. Time bom tem que jogar bem sempre. Ela não dá nem o desconto do esgotamento físico ou mental. Tinha birra com parte do elenco. Derrotas anteriores ficaram, de modo muito evidente, na conta de alguns dos que disputariam agora o certame para o qual ela vinha se preparando pra torcer com esse afinco todo.


Descobriu, meio tardiamente, que só metade do time entraria em campo, mas isso não a intimidou, ao contrário. Na segunda metade do time havia gente muito ruim e que não mereceria mesmo uma vaga na escalação em nenhuma hipótese. E ainda mais em se tratando de adversários tão aguerridos. Definitivamente os adversários não jogavam bem, mas seu empenho e sua dedicação, esses eram de se admirar.


E foi com toda a disposição, considerando muito especialmente o tanto de derrotas que tinham sido impostas a ela e a todos os seus companheiros de vida e torcida pelo escrete adversário, que a Margô se postou diante da tv pra assistir ao definitivo match, à decisão final, à mais esperada das partidas. Disputada em quatro tempos, subverteu um pouco a lógica dos campeonatos e copas a que nos acostumamos. Seria mesmo ideal que a disputa em foco nem fosse uma coisa de torcidas e lados opostos.


O mais correto seria uma unanimidade, essa entidade abstrata e pouquíssimo conhecida na atualidade, mas que já reinou no entorno de Pelé, por exemplo. E também quando nos referimos a grandes vilões, grandes cientistas, alguns grandes artistas, alguns locais, sabores e padrões estéticos. A Margô tinha consciência de que o mundo dividido politicamente também tinha se partido em gostos, cores e sabores. Trump, por exemplo, parece afastar o gosto pelas incríveis belezas naturais estadunidenses até os mais resilientes cientistas de esquerda. Ao mesmo tempo que a China atrai multidões para além de sua própria e enorme população. Um nó na cabecinha simplificada de Margô, coitada.


O fato é que lá estava ela. Vendo o time adversário, que deveria ser unanimemente execrado, ser ainda exaltado por uma torcida fanatizada e fiel.

A final, apesar dos quatro tempos, foi curta. Longo mesmo só a lamentável, horrorosa, vil e desnecessária atuação do Fux, meio campista perdido, a quem se deveu o pior momento de um certame inesquecível!


Entrosados, Moraes, Dino, Cármen e Zanin deram uma lição de conjunto, harmonia, coerência e responsabilidade. Um perna de pau em um bom time pode levar tudo a perder mas, desde que ele não seja o goleiro, há jeito. No caso – aleluia!! – não era. 


Margô lavou a alma. Bebeu, gritou, riu sozinha, dançou. No fim do jogo saiu à rua pra encontrar os amigos e festejar mais! Foi ao samba, foi à igreja, foi à macumba.Celebrou até não mais aguentar e cair exausta na cama limpa, preparada especialmente para aquela noite.


Quando acordou, chegou a pensar que tinha sonhado. Mas era verdade. Pesadelo mesmo tinha sido os anos anteriores, sob o comando da corja adversária e seu legado de morte e sofrimento.

Que penem nas masmorras, pra onde eles desejavam que fôssemos!!, pensou alto.

Sabe que a vigilância tem que ser eterna e que Brecht segue nos lembrando de que “a cadela do fascismo está sempre no cio”, porém, não dava pra deixar de festejar.


Com uma ponta de tristeza, a Margô lembra que não desejava que fosse assim. Podia ser mais simples, com menos mortes e sofrimento. Podia ter sido sem divisão de torcida, desde que o adversário não tentasse assassinar o nosso time.

Que tenha sido o final.

O tapetão, avisaram, não cabe.

Viva a democracia!!


Em jogo estavam ao menos duas possibilidades de futuro. O risco continua existindo, mas o afastamento pontual dos últimos que tentaram nos tornar uma nova ditadura civil-militar dá um alívio tremendo. 


Não é, Margô??

 

Rio de Janeiro, setembro de 2025.


Playlists com o fino da música certificada.

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